O processo para a criação do Município de Villa Americana
“É certo que em todos os actos dos poderes públicos de S. Paulo para essa creação tiveram directa intervenção minha por um sentimento de justiça, que dispõe que os indivíduos, como a collectividade, têm a sua época de maioridade e devem viver sobre si mesmos, independentes…” (grafia da época)
Trecho do discurso de Antônio Alvares Lobo proferido na sessão solene em comemoração aos dois anos da emancipação política do município, realizada na Câmara Municipal de Villa Americana em 12 de novembro de 1926.
Decorrido a primeira década da criação do distrito de paz, todo esse desenvolvimento socioeconômico contribuiu para o crescimento da insatisfação entre empresários, produtores rurais, comerciantes e líderes políticos locais. Os investimentos da administração campineira, tanto na educação quanto na saúde, mas principalmente em obras de infraestrutura, eram muito aquém do que aqui recolhia-se de impostos.
Representando o deputado Dr. Antônio Alvares Lobo, seu irmão, Paulo Alvares Lobo, assiste, em 1915, no salão da Sociedade Italiana, a primeira reunião magna para tratar dos problemas e aspirações de uma possível emancipação.
Os relatórios anuais apresentados pelos interventores (nomenclatura do chefe do Executivo usada até 1908) e prefeitos à Câmara Municipal de Campinas, a princípio, forneciam apenas números totais da arrecadação e gastos campineiros, porém, a partir de 1911 passam a fornecer dados também individuais dos cinco distritos de paz do município.
Este acesso mais fácil à informação corrobora com o que acreditavam os villamericanenses, já que os dados comprovavam o motivo de suas insatisfações. Embora nestes relatórios não possamos encontrar detalhadamente a gama de industrias e comércio, como no caso dos livros de indústrias e profissões, temos acessos a valores anuais totais.

*Em todos estes anos, a arrecadação foi maior do que a orçada; em 1914, o prefeito Heitor Teixeira Penteado afirmou: “a receita excedeu o orçado como se vê deste confronto significativo da prosperidade do districto”.
A crença na desproporcionalidade de arrecadação e investimentos concretiza-se quando essas funções passam a serem realizadas pela Câmara Municipal de Villa Americana a partir de 1925. Em 15 de outubro daquele ano, o prefeito municipal, Jorge Gustavo Rehder, apresenta para a aprovação dos vereadores “o orçamento para a receita do exercício de 1926” e afirma:
“Não admireis a diferença que apresenta nosso orçamento de despesa para o orçamento que apresentava Campinas, pois, por certo tendes notado quanto se descuidou de nós e do nosso progresso, cabendo agora a nós, que assumimos o encargo de administrar Villa Americana, a obrigação de fase-la com o máximo esforço e bôa vontade…” (grafia da época do livro de atas número 01 da Câmara Municipal de Villa Americana, ata da 10ª sessão ordinária de 15 de outubro de 1925, folha 29 verso e folhas 30 e 31 frente e verso)
Mesmo com um pequeno aumento, devido à correção monetária, a arrecadação daquele ano não era tão maior das dos anos anteriores, o que comprovava que a contrapartida campineira era inferior à receita arrecadada no distrito.
Em 1917, o país sofreu uma epidemia de impaludismo, e muitos villamericanenses adoeceram, o que causou generalizado pânico e sentimento de abandono por parte da administração campineira. A maior parte das ações de combate à doença deveu-se a iniciativas locais e privadas. Segundo o livro “Descobrindo Americana – Um Grande Salto”, de 2008, a fábrica de Carioba custeou um intenso programa de saúde.
A malária já havia infectado cerca de 1.000 pessoas em Carioba e 1.127 na sede do Distrito de Paz Villa Americana, onde a ajuda do médico Cândido Cruz e dos professores Silvino de Oliveira e esposa, Olympia Barth de Oliveira, foi crucial e supriu a ausência pública de Campinas.
Durante sete anos, os defensores da emancipação, liderados pelo deputado Dr. Antônio Alvares Lobo, trabalharam para comprovar que o distrito de paz, criado em 30 de julho de 1904, atendia aos requisitos legais para emancipar-se.
Ainda em 1917 é apresentada à Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo uma representação de moradores do Distrito de Paz de Villa Americana de “todas as classes sociaes”, em que apresentam informações sobre arrecadação, população e número de eleitores. “(…) foram ainda oferecidas photographias de aspectos locaes e dos principaes edifícios urbanos assim como dos importantes estabelecimentos industriaes existentes no districto” (grafia original do projeto de lei nº 24, de 1917).
É desta representação que nasce o projeto de lei nº 24, de 1917, da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, com este objeto: “Cria o município de Villa Americana, na comarca de Campinas”.
A criação de municípios neste período é regida pela lei 1.038, de 19 de dezembro de 1906, que determina: “são condicções para ser qualquer parte do território do Estado elevada ao município, além da representação dos habitantes da zona: 1º) população não inferior a 10.000 habitantes; 2º) ter sede do município, digo, do novo município pelo menos 100 prédios bons, população mínima de 1.000 habitantes e estar situada em local de fácil saneamento; 3º) ter prédios para a municipalidade, duas escolas e cadeia pública; 4º) prova de que a zona destinada a novo município produz de imposto expressamente autorizados pela lei 1.038 numa renda nunca inferior a 20:000$000 annuaes.” (trecho da transcrição do Correio Paulistano de 28 de outubro de 1924 realizada por Feliciano da Costa Pinto, secretário da Câmara Municipal de Villa Americana, em 15 de abril de 1925).
Porém, atendendo ao questionário da Comissão de Estatística, Divisão Civil e Judiciária da Câmara dos Deputados, a Câmara Municipal de Campinas contesta “a conveniência da creação do município: a) pela escassez de renda; b) pela escassez de população; c) pela deficiência de edifícios para o funcionamento da Camara e outros estabelecimentos públicos estaduais; d) porque, creado o município em questão, ficaria o mesmo quase encravado no município de Campinas; e) porque a renda do districto seria insufficiente para fazer face aos encargos decorrentes da administração autônoma, accrecidos pela obrigação em que ficará de participar no resgate dos compromissos pre existentes do município de Campinas” (grafia original de trecho do projeto de lei nº 24, de 1917).
Em 1919, a Câmara Municipal de Campinas inclui no projeto um recenseamento próprio, no qual consta população de 6.436 habitantes no distrito de paz de Villa Americana, número inferior ao exigido pela lei de criação de municípios. Este é o requisito que gera idas e vindas do projeto de lei entre comissões da Câmara e do Senado do Estado.
Isso também fomenta a crescente insatisfação de villamericanenses, que apresentam representação no Senado protestando sobre os dados apresentados pela Câmara Municipal de Campinas, afirmando que diversos bairros do distrito foram negligenciados no trabalho de recenseamento.
Somente após um recenseamento federal, realizado no início da década de 1920, o processo foi votado, pois atestaram que, “em vista destes dados positivos e dignos de toda a fé, attribuindo ao districto de paz de Villa Americana uma população de 10.164 habitantes, (…) satisfazendo assim os justos anseios da laboriosa e progressista população de um dos mais adiantados e importantes centros de atividade de nosso estado” (grafia original).
Texto e pesquisa: André Maia Alves da Silva, historiador e presidente do Instituto 12 de Novembro. Edição: Claudio Gioria, jornalista e diretor de pesquisa do instituto. É proibida a reprodução desse material sem prévia autorização do instituto.
