Hermann e suas múltiplas facetas – parte I: o erudito

Hermann ao piano, Hans no violoncelo. Assim foi o Natal de 1904, em Carioba, da família Müller. Hans tocava muito bem, segundo relato da irmã, Margarete von der Leyen, e Hermann “o acompanhava ao piano com perfeição”. Uma cena que se repetiria outras vezes durante o ano seguinte, com a presença de mais um irmão, Erich, premiado com seis meses de férias em Carioba após ser aprovado no exame final do curso secundário e obtido o “Abitur”, uma espécie de matrícula certa para o curso universitário. “As noitadas de música sempre incluíam um programa variado. Mamãe, Hermann e eu éramos os pianistas, o Erich tocava violino e o Hans tocava violoncelo.”

Hermann, o primogênito de Franz Müller, havia acabado de voltar ao Brasil, com sólida formação erudita, além de conhecimentos técnicos e práticos sobre tecelagem. Instalou-se em Carioba, onde seu pai havia, em 1901, adquirido a Fábrica de Tecidos Carioba, que há anos estava fechada, e a reinaugurou em 14 de março de 1902.

Foi naquele ano da reinauguração da fábrica que Hermann viveu um dos piores dias de sua vida. Havia acabado de concluir o curso técnico de tecelagem em Chemnitz e estava na Inglaterra buscando adquirir experiência em uma fábrica de Manchester. Era outubro de 1902.


Margarete relatou aquele dia trágico em suas memórias: “Após o trabalho, ele chegava à estação para pegar um trem para voltar para casa quando viu que o trem estava partindo. Correu para apanhá-lo (…) escorregou e seu pé direito prendeu-se entre o estribo e a plataforma. Foi arrastado por alguns metros até cair no fim da plataforma. O pé foi totalmente esmagado e teve que ser amputado. Os irmãos de meu pai (…) mais tarde levaram-no ao Instituto Ortopédico de Göttingen, onde lhe fizeram sua primeira prótese.”

Hermann, um “excelente ginasta”, segundo Margarete, tinha então 18 anos, e só reencontrou os pais dois anos depois, às vésperas daquele Natal em família, com ele ao piano e o irmão no violoncelo.

O aspecto erudito da família Müller, em uma ainda incipiente Villa Americana, que só se tornaria distrito de paz de Campinas naquele 1904, fica ainda mais evidente quando, em 1982, 31 anos depois da morte de Hermann, seu filho Hans Joaquim Müller Carioba ofereceu ao professor Carlos Franchi, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a doação da biblioteca particular do pai, que havia pertencido ao seu trisavô. Eram “livros em alemão, grego, latim, inglês, hebraico e francês, edições dos séculos XVII, XVII e XIX”.

Nas próximas duas colunas, você vai conhecer também o lado operário do erudito Hermann Müller e a faceta política que ele desenvolveria em seguida em Villa Americana.

A propósito do mês de maio, e do fato de que as efemérides são ocasiões para relembrar, repensar e reposicionar os legados de pessoas, ocorreu o centenário da morte de Bruno von der Leyen, ligado a Carioba pelo casamento com Margarete. Ele foi o fundador da Fábrica de Fitas e Elásticos Quilombo em 1911. Fatos ocorridos neste local propiciaram o surgimento do façonismo em Carioba, que viria mudar a história de Americana.

Hermann Müller teve o pé direito esmagado em um acidente em estação de trem em Manchester, em 1902

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