Sem aquele 30 de julho não seríamos quem somos
“Meia hora antes do trem chegar à estação já estávamos em Villa Americana esperando. Nunca, porém, permanecíamos na plataforma da estação, mas sentados confortavelmente na sala do Sr. Sebastião Antas de Abreu, que morava bem defronte a estação. Ele era agente de meu pai e sempre servia um excelente cafezinho. Tinha um enorme realejo, (…), onde colocava um disco de metal (…) e ao acionar uma manivela fazia o disco girar e produzir o alegre tilintar de uma valsa ou música de opereta.”
Este relato, sobre a segunda metade dos anos de 1910, da nossa conhecida frequentadora da coluna, Margarete Müller von der Leyen, irmã de Hermann Müller, não deve iludir ao atento leitor: aquele domicílio defronte à estação, além de servir como sala de espera de famílias abastadas, possuía também um comércio de ferragens e sortimentos agrícolas, que desde os fins do século XIX servia de aparelho para reuniões políticas sob a luz dos lampiões.
Tempo em que a indefinição territorial, portanto também jurídica e administrativa, era o grande problema deste povoado que, com a criação de sua paróquia, já era conhecido como Villa Americana desde 1900.
O português Sebastião Antas de Abreu é o primeiro líder político desta terra e sua atuação para a criação do Distrito de Paz de Villa Americana, em 30 de julho de 1904, através da lei estadual 1916, decisão que encerrava quase uma década de disputa territorial, e que envolvia arrecadação de impostos, entre os municípios de Campinas e Santa Bárbara, é fundamental.
Organizava as reuniões entre os insatisfeitos com os desmandos tributários e os confiscos de bens por parte da polícia de Santa Bárbara e possuía amizade e relações comerciais com aqueles que não estavam sob o jugo barbarense.
Seu convívio por décadas, com embarques e desembarques, proporcionou grandes e importantes amizades, como Antônio Alvares Lobo, o maior responsável pela lei de 1904 e depois pela de 1924, que criou nosso município. Mas também trouxe à porta muitos que, fugindo de desajustes e sofrimentos, aqui chegaram por ouvir dizer dentro do trem da prosperidade do lugarejo e aqui desembarcaram, sem emprego ou conhecido. Homens que por fim fizeram a terra crescer.
A criação do novo distrito, além de resolver a questão territorial e fiscal, atendia outra reivindicação, definindo a questão jurídica dessas pessoas, pois Campinas já possuía uma Comarca, enquanto Santa Bárbara pertencia à Comarca de Piracicaba. A viagem para este último município, no início do século XX, era realizada através de uma estrada de terra ruim, enquanto que para chegar a Campinas existia três partidas diárias de trem.
Solucionadas as questões territoriais, fiscais e jurídicas, o status de distrito de paz traz aos moradores outros benefícios, que modificaram suas vidas, não apenas pela questão logística, mas também na significação de local de pertencimento, na conscientização numeral de habitantes e aumento da autoestima: a instalação de uma subprefeitura; a construção de um cemitério próprio; e o serviço de registro civil.
Inaugurado em setembro de 1904 em terras doadas por Sebastião Antas de Abreu, o Cemitério Municipal da Saudade é de capital importância no desenvolvimento afetivo e religioso dos villamericanenses.
Outro fator contribuinte para o sentimento comunitário foi a nomeação de José Ferreira Aranha como Escrivão de Paz e Official de Registro Civil, e a consequente lavratura dos registros de nascimento, casamento e óbitos passarem a realizar-se no distrito. A instalação da subprefeitura trouxe a política administrativa para mais perto dos moradores, que passam a ser atendidos por um morador local indicado para o cargo de subprefeito.
A criação do Distrito de Paz de Villa Americana é, sem dúvida, a pedra fundamental para a conquista de nossa elevação a município em 1924, mas também foi fundamental na formação social, na criação de uma identidade, na fabricação do orgulho e sentimento de pertencimento de tantos que aqui chegaram através da estação de trem.
Estação esta que anos mais tarde seria o mote para a criação de uma nova data de aniversário de Americana, mas isso é assunto para o mês de agosto, quando daremos voz ao sagaz Ralph Biasi.