VÁ A CARIOBA E VISITE OS MÜLLER

“No dia 10 de julho festejaremos em Carioba o casamento de nossa filha Margarete com o senhor Bruno Von Der Leyen. Na véspera haverá a despedida de solteiro. Convidamos V.SAS. para serem nossos hóspedes nestes alegres dias – Franz e Albertine Müller.”

Este convite continha ainda a descrição do banquete que seria servido, com os vinhos de acompanhamento: caldo quente e Pommery, salpicão de carne e chateau Léoville, assado de cervo e Erdmer Herrenberg 1904, peixe do rio Atibaia, aspargos, caviar no gelo e Poliesporter Auslese 1902, peru e Mouton Rothschildde, saladas, compotas, gelados de amêndoas, tortas, queijos e manteigas com Heidsick.

Curioso aos olhos do leitor de nossos tempos é o peixe do rio Atibaia em meio a tanta sofisticação. Mas é o ano de 1909, quando toda a Fazenda Salto Grande ainda ostenta a exuberância de matas e abundância de quatro rios.

As memórias da jovem noiva estão repletas da orgulhosa admiração de Franz por estas colinas, descritas pela primeira vez em carta à sua família na noite de Natal de 1902: “a lua cheia brilha no céu… contra a mata escura se destaca o cintilante rio Piracicaba. Ouço o sussurro do riacho ao fundo…”.

Nos primeiros anos da instalação da família Müller em Carioba, a principal diversão eram as constantes visitas, muitas vezes de pessoas desconhecidas, como “diplomatas, funcionários do governo, cientistas, homens de negócios e viajantes…”, que ao passarem pelo consulado alemão ou em visita à família Plass em São Paulo, sempre ouviam a recomendação: “vá a Carioba e visite os Müller”.

Ainda segundo Margarete, todo visitante do sexo masculino era posto por seu pai sobre um cavalo, com polainas e calças velhas emprestadas, e obrigados a fazer um passeio pelas matas ao longo do rio Piracicaba até a sede da Fazenda Salto Grande, onde a cachoeira da foz do rio Atibaia coroava a estafante jornada e todos eram servidos de uma autêntica cachaça ali produzida.

Após o retorno de uma aventura de mais de três horas, estes iniciantes cavaleiros, alquebrados e inebriados, compartilhavam relatos da experiência única em suas vidas, ao lado de um barril de chope, na varanda da casa grande. Após banho e lauto jantar, as luzes eram apagadas rigorosamente às dez horas da noite, quando todos carregavam uma vela para seus aposentos.

Passeios compartilhados com as mulheres eram realizados quando da visita de amigos da família, como os Plass e Bruno Von Der Leyen, batizados como “almoço no mato”. Ocorriam aos domingos. Os homens seguiam a cavalo pelo caminho mais longo e as mulheres e empregados iam de carro, levando a comida, os apetrechos e o barril de chope gelado. O velho “páu-d’alho” junto ao rio Piracicaba era o destino preferido, onde uma fogueira acesa animava o ambiente e, segundo Bruno, “as ninfas do solitário rio selvagem devem ter-se admirado das ruidosas gargalhadas destes singulares seres humanos”.

Estas memórias, escritas em quatro volumes no idioma alemão, foram traduzidas em 1995, pela sobrinha Horst Müller Carioba. Estão repletas de cartas e relatos das inúmeras viagens da família Müller a Alemanha, das viagens à residência de São Paulo, e testemunham o cotidiano de uma numerosa e erudita família. Mas, acima de tudo, estão impregnadas pelo amor que todos desenvolveram por Carioba. Margarete Von Der Leyen, viúva com seis filhos aos 35 anos de idade, escreveu até os 80 anos e afirmou que “a condição para suportar meu pesado destino com tanta facilidade se deve em grande parte ao fato que minha infância e juventude foram tão belas, tranquilas e felizes… primeiro em Higienópolis, mais tarde em Carioba!”.

Texto e pesquisa: André Maia Alves da Silva, historiador e presidente do Instituto 12 de Novembro.

 
 

    Família Müller Carioba

Similar Posts